segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Plantando nos campos de Deméter




E naquela tarde, a Deusa perguntou à mulher o que ela esperava daquela Primavera...

A mulher se calou, respirou fundo. Emudeceu em sentimentos e pensamentos, sem saber o que esperar. Esperar... Ela nem havia notado como passou a não esperar muita coisa de quase nada. Aliás, pelo que se lembrava, toda a sua dor se baseava na espera de tantas coisas que nunca haviam chegado.
"Não espero nada. Não há o que esperar. Não sei como serão os ventos, as águas, os mares e as palavras. Não sei das escolhas que me afetarão e não estão em meu poder. Não sei como me sentirei quando tudo me tocar, a cada dia, e o que irá me curar, alegrar, doer ou entusiasmar. Não sei se será fácil, ou árduo, o caminho para meus sonhos. Não sei se quem amo decidirá vir comigo, ou encontrará outros caminhos. Não sei quantos terei ao meu lado a cada dia, quantos dias de sol me aquecerão ou queimarão, quantas chuvas me lavarão ou inundarão.
Será tudo sempre um grande mistério, como sempre foi. Serão dias, curvas, erros e acertos no mesmo sentido, uns após os outros, sem pausas. Será apenas continuar."
E ela se calou.
A Deusa então olhou para ela, enternecida com suas rugas na testa de sabedoria e ponderação, e sorriu.
"A espera é inimiga da vida. Viver é carregar a plenitude dentro de si todos os dias, seja para celebrar o que acontece, ou suportar a falta do que não veio. Esperar é ranço, parada, estagnação. Quem espera, não alcança. Quem espera, morre de sede e fome. Quem espera junta forças na expectativa do que não existe e joga fora cada segundo do real.
A verdadeira amiga da Vida é a paciência. Linda, leve, solta, permite a plenitude real de cada momento, sem roubar segundos preciosos do hoje vivendo o amanhã. A paciência liberta da necessidade de se esperar algo. A paciência ajuda a se CRIAR algo. Ela ativa a criação no seu ritmo verdadeiro, não atrasa nem adianta. Ela respeita."
A mulher então se perguntou se havia paciência na sua alma. Lembrou das suas gestações, dos ensinamentos a cada filho, das discussões sobre escolhas com seu companheiro a cada fase da vida, da forma que via seus pais envelhecerem, de como aprendia a lidar com seu corpo a cada lua, a cada estação, a cada fase de vida. Lembrou do que havia conquistado até hoje e pensou se havia esperado um dia que fosse como é.
"Não, nunca poderia saber como seria viver antes de cada dia vivido. Nunca poderia saber a pessoa que me tornaria neste momento de minha vida. Não poderia. Não teria sabedoria para tanto.
Projetar o futuro é uma prisão. Não se pode fazer escolhas que nem foram criadas, imaginar resultados que nem puderam ser buscados. Eu nunca pensei em ser quem sou hoje, mas gosto que tenha sido assim. Há mistério na vida, e isso é muito bom."
Pela última vez, a Deusa então sorriu.
"E assim é. O mistério é que anima a vida, alimenta a busca, traz energia à vida. O mistério carrega nossos segredos ainda latentes, encerra potenciais inconscientes, aumenta a visão de tudo. Tudo o que não se toca, mora nele: sonhos, ideias, crescimento, sabedoria, surpresas, descobertas. No mistério está a beleza da vida, a emoção, a Divindade.


Encontre suas sementes dentro do seu ser, liberte-as com alegria neste momento, fazendo o plantio dos sonhos nos campos de Deméter. Plante com certeza. E solte. Tudo virá a seu tempo. A paciência a fará regar e adubar a terra fértil a cada dia. Fará sua alegria brotar a cada nova folha ou flor. Em quanto tempo? De que forma? Com quem? Não importa. Aí está o mistério. Aí está a resposta. Se pensar muito em tudo isso, talvez nem plante. E nada nascerá."
A mulher então sentou-se calmamente em seu jardim e observou o céu azulado de fim de tarde de inverno. A última deste inverno. Entendeu que sobrevivera a mais um ciclo da vida, que havia mergulhado nos confins do seu ser, dançado em emoções cada vez mais intensas, e renascido. Era hora de voltar.
O Sol está mais forte que o do passado. A Lua imensa não deixa dúvida de que o oculto se expande a cada ciclo. Está tudo bem. Mesmo que pareça torto, sem explicação, as vezes mesmo sem saída. Está tudo bem.
A saída está no mistério, no que não se sabe, no que ainda está por vir, na falta de respostas. O que você acha que vai acontecer? Pergunta inútil. Que venha, na sua melhor forma. Na melhor forma para todos nós. Só isso.

Ainda respirou algumas vezes com profundidade, como para compreender o que sentia em todas as suas partes. Desejou estar entre todas as suas irmãs de caminhada, e preencher com elas o campo fértil de Deméter, lugar de todos os desejos de luz.
Viver não é apenas sonhar. O mundo real é feito de sonhos realizados em harmonia uns com os outros.
Que Eostre, a Deusa da Primavera, receba minha parte deste plantio. Que leve meus sonhos com sua esperança e força nova da vida. 
E ficou ali, ao lado da Deusa, conspirando a bela tarde, esperando serenamente o Portal acontecer.
Está tudo certo. É só continuar.




Dedico este texto a todas as irmãs maravilhosas que, conscientemente, cada uma ao seu modo, entram na energia da Deusa e plantam sementes de luz neste Equinócio de Primavera. 
Hoje, 22 de Setembro de 2014, as 23:29hs no nosso Brasil - mas ao mesmo tempo em todo o planeta -  Gaya promove a renovação dos campos dos sonhos. 
Estou com vocês em ciranda, nos campos da Mãe, mais uma vez, girando a Roda da Vida. 

Feliz Primavera para todos nós!














Um comentário:

Obrigada por unir nossas idéias através de seu retorno!