segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Opostos ou Complementares?


Uma História

De repente me reparti em dois.
Era uma estranha sensação, a de ser dois seres em um só. Percebi nitidamente: havia uma mulher à minha esquerda, ou melhor, eu era uma mulher na minha parte esquerda e um homem à direita. Entendi que todos nós somos duais, formados por estas energias conflitantes, mas complementares, os milenares yin e yang, e naquele momento eu estava prestes a discernir um do outro dentro de mim. Continuei respirando profundamente, de olhos fechados, me concentrando nas visões.
Minha atenção se voltou para a mulher. Era uma mulher jovem, com aparência de menos de trinta anos, mas muito, muito desgastada. Ela era triste, olhava sempre para baixo, e posso dizer, apesar de relutar em admitir essa percepção que tive, era muito, muito amarga. Sua beleza existia, mas ela não fazia nada para mostrá-la, realçá-la ou conservá-la. Ao contrário, seus cabelos, apesar de brilhantes estavam despenteados, sua pele sem viço. O corpo estava magro, mas não era rijo, estava como que desistindo de sustentar seu ser. Ela me dava impressão de se cuidar apenas para não esmorecer, continuar lutando e realizando, mas não tinha nada de belo naquilo. Sentia que ela poderia correr kilômetros se precisasse, ficar dias sem comer, ou no sol, ou no frio. Ela se cuidava para resistir e sobreviver, não carregava peso supérfluo, mas também nenhum sorriso fora de hora.
Vi nela a mesma corrente que já vi apertar meu coração. O coração dela, aliás, estava a mostra, eu o via perfeitamente, batendo sobre o corpo, e não dentro dele. Ele batia forte, com esforço, mas pulsava diferente: ele não crescia e diminuía a cada batida, era como se tentasse inflar, conseguisse pouquíssimo, e voltasse a esvaziar, sempre com muita força.
A corrente não deixava que ele inflasse muito, assim sua respiração era rápida, mesmo que ela não parecesse ofegante. Ao contrário, parecia plácida, se eu não pudesse ver seu coração naquele estado, acreditaria que respirava com tranqüilidade e se sentia muito calma.
O olhar dela era profundo, com olhos negros que penetravam através de qualquer coisa ou pessoa em que pousassem. Eles despiam, invadiam, era como se nada pudesse escapar deles. Mas ela parecia muito cansada disso e os fechava sempre, ou olhava para baixo, desviava seus olhar de qualquer ponto que parecesse trazer informação para ela. Ela estava cansada de tanta informação.
Quando a olhei com ternura, tentado me enxergar dentro dela, ela sorriu com o olhar. Por um momento vi nela algo de sonho, algo distante e infantil, uma súplica silenciosa por socorro. Meus pensamentos estavam todos ligados aquela mulher, à sua dor, e eu só me questionava “O que tiraram dela? O que não deixaram ela viver? Por que ela não lutou contra a dor e defendeu suas escolhas?“
Neste momento me voltei para a direita, para o homem. Ele também era duro, mas totalmente diferente dela. Era alto, novo, bonito, tinha a tez jovem e brilhante. Parecia desconfiado, sempre tinha uma das mãos à bainha da espada que carregava à cintura. Seus olhos, ao contrário da mulher, eram rápidos e não focavam nada em especial. O que queria era ver tudo, talvez para não ser pego de surpresa por algo que sentia o ameaçar. Não parecia sábio como ela, mas era intimidador, tinha presença, braços fortes, corpo esculpido de músculos e destreza nos gestos.
“Um soldado”- pensei comigo – “alguém que realiza ordens, mas que não parece questioná-las muito bem.”
Ele parecia prático e sucinto, não se apegava a nada, talvez perdido, sem poder esclarecer suas dúvidas.
Quando os vi, aos dois, ao mesmo tempo, uma tristeza imensurável me consumiu. “Eles não se vêem, não se falam, não se ajudam” pensei. Ela, com tanta sabedoria, mas guardada para si, remoendo um excesso de informações que a tornavam amarga, dura, triste, cansada de ser quem era. Ela desejava leveza, ser livre, vomitar aquela montanha de informações e poder apenas ver o que escolhesse. Ela queria esquecer...
Em nenhum momento ela tentou pedir ajuda a ele, fazê-lo ajudar nas suas buscas. Ela aceitava resignada seu papel secundário de ser consultada quando era necessária... e só.
Ele, por sua vez, estava perdido. Parecia que tinha deixado de seguir os líderes que tinham norteado sua vida, suas verdades – ou melhor, as verdades que tinha aceitado como suas – tinham se dissolvido, e agora ele estava só, sem motivo para lutar, apesar de ter força, preparo, desenvoltura e coragem para tal. Lutava no escuro contra qualquer coisa, pois parecia não enxergar direito na penumbra que se encontrava.
Estavam os dois sofrendo, sem sequer pedir ajuda um ao outro. Estavam magoados. Os dois estavam presos no passado de uma maneira cruel e dolorosa.
Ela tinha mágoa dele que nunca a elegeu como seus olhos e coração, enquanto ele se ressentia com os “outros” a quem serviu e agora percebe que não são quem pensava que fossem. Ela não acreditava que ele poderia ajudá-la, pois ele nunca o fez, ele havia elegido “outros” como seus senhores e ignorado as sensações e verdades que ela podia oferecer a ele. Nunca seus desejos tinham sido satisfeitos por aquele cavaleiro, nunca seus braços fortes abraçaram suas causas e buscas, por que agora ele o faria? Por que ela cuidaria de si, dos seus cabelos, da sua pele, se sua alma nunca seria ouvida?
Neste momento percebi que a corrente que cercava o coração dela tinha um cadeado, e a chave estava numa das suas mãos. Ela o tinha trancado! Ela mesma ceifava sua capacidade de entusiasmo, alegria, satisfação para conseguir sobreviver sob a única forma que acreditava que tinha de vida. Ela tinha a chave...
(A mesma chave dourada, a mesma de tantas visões...)
Ele continuava perturbado, olhando em todas as direções, apesar de não seguir por nenhuma. Estava parado, esperando talvez um milagre acontecer, algum exército aparecer e permitir que se juntasse a ele, ou um mestre passar e adotá-lo como discípulo. Era forte, saudável, mas não era realizado. Tinha ressentimentos profundos por todos aos quais seguiu, se sentia traído por eles, pela vida, por ele mesmo. Culpava-se por sua falta de visão, às vezes acreditava que não merecia ser nada mais do que parecia ser: um soldado que serve, por não ter sabedoria quando precisou decidir, em cada encruzilhada de sua existência.
Olhei para ele e tentei sentir o que ele sentia por ela, já que ela o olhava sempre, e ele agia como se ela não existisse.
Ele tinha medo dela. Não a entendia, não acompanhava seus pensamentos, ela parecia louca, lunática. Sentia que, se seguisse seus pensamentos e idéias, acabaria louco, desacreditado, desmoralizado, perderia o respeito que conquistou com tanto sacrifício e suor. Não, não podia segui-la. Queria vê-la feliz, vê-la bem, às vezes fazia alguns de seus gostos, para que não sofresse muito, para que a sentisse um pouco mais feliz. Mas deixá-la liderá-lo, escolher as metas e objetivos de suas vidas seria insano. Ele já tinha perdido muito, tinha despencado da torre dos grandes cavaleiros para o grande pântano dos enganados e traídos. Não podia permitir que seu orgulho fosse esmigalhado até o último grão que restava.
Naquele momento voltei a mim. Voltei a respirar profundamente e invoquei meu ser superior, minha mente iluminada, para me ajudar na tarefa de juntar as duas partes. Compreendi que não se tratavam apenas das minhas partes pessoais, mas o reflexo do Feminino e Masculino de todo o planeta doente, do qual eu havia me oferecido a participar da cura.
Precisava juntá-las, fazê-las trabalhar em conjunto, uníssonas, cooperando entre si na busca do objetivo único de viver em Amor.
Percebi que não adiantava dizer a ela que desacorrentasse seu coração, pois se ela o fizesse sem que ele a ajudasse, entraria em depressão e desespero, sem a contenção que enganosamente criou para se salvar. Ela estava mais fraca que ele.
Era ele quem iniciaria a mudança! Ele precisava dissolver suas mágoas e preconceitos. Ele precisava acreditar em uma outra forma de vida, com respeito e liberdade. Perceber que a dor que sente não é apenas falta de honra e admiração por si mesmo, mas também falta de alegria e amor. Ele precisava libertar seus fantasmas para deixar espaço para o novo.
Mas não pude fazer mais nada. Fui perdendo os sentidos, aos poucos, escutando uma bela canção celta ao fundo, que falava sobre amor. Adormeci pensando que algum dia, finalmente, eles poderiam novamente se amar, se fundindo em um único ser completo, dançando sua dança universal da vida, transformando o mundo e criando maravilhas através de seus momentos de amor.



Quem ama, completa.


Os opostos se atraem.
Esta é uma lição que todos nós aprendemos na escola e levamos para nossas vidas. Utilizamos este conceito por muitas e muitas vezes durante nossa história e sem querer ajudamos a estabelecer um dogma responsável por todas as dores da humanidade.
Pois me desculpem os cientistas, os estudiosos e os acadêmicos, mas os opostos não se atraem. Opostos nunca podem se atrair.
Depois de uma longa caminhada – muitas vezes solitária, apenas na companhia silenciosa de amigos espirituais – eu entendi que energias contrárias nunca poderiam se atrair. Quem se atrai são as energias complementares.
Os complementares se atraem com a única intenção de formar algo novo, de criar uma nova situação, diferente de cada um deles, mas a partir das suas características mais marcantes.
Opostos não criam nada. A complementação gera nascimento e evolução. A oposição traz destruição e caos.
Complementares são forças diferentes com objetivo semelhante e isto é muito diferente de oposto. Observando a Natureza temos total certeza disto; é a chamada busca pelo equilíbrio, como observamos nas aulas de química quando substâncias com Ph diferentes tendem a se misturar e formar uma terceira com Ph mais equilibrado.
Uma árvore tem uma parte fora da terra e outra dentro. Seriam opostas? Eu acredito que sejam complementares. Nossas duas pernas seriam iguais? Não. Opostas, por estarem uma a direita e outra a esquerda? São simplesmente complementares – forças diferentes com um objetivo comum que só pode ser alcançado pela união entre elas. Os nossos dois olhos? Complementares. Nossos dias e noites? Complementares. As estações do ano, um par de dançarinos, o café com o leite, a música e a dança. Todos complementares. Como também são o pensamento e o sentimento, o coletivo e o individual, a expansão e a introspecção, a intuição e a lógica, a ciência e a espiritualidade. Todos são energias diferentes com objetivos comuns que trabalham muito melhor juntos do que separados. Oriente e Ocidente? Complementares. A partida e a chegada, a despedida e o encontro, a dúvida e a resposta. Todos complementares.
Opostos brigam. Opostos disputam. Opostos tem objetivos opostos e nunca podem se encontrar em parte alguma de suas vidas. Como um ambientalista e um fazendeiro que desmata suas terras, ou um político corrupto e um colaborador de obras sociais. Eles são opostos e nunca vão se atrair. Serão sempre o contrário de uma questão e nada poderá uni-los.


Infelizmente, dentre todos os equívocos da humanidade, o pior e mais grave foi cultuar a idéia de que a energia feminina é oposta a masculina.


Quando homens e mulheres deixaram de ser complementares para se tornarem opostos? Quais as conseqüências deste equívoco tão importante? Dor, tristeza, incerteza e solidão nos corações de espíritos que não sabiam mais se unir e manifestar maravilhas que só a mais pura complementação pode criar.
Homem e a mulher. Opostos? Não, complementares. E a complementação destas energias gera coisas maravilhosas, uma delas é a mais cantada e almejada através da história: o amor verdadeiro.
Como seres que se consideram opostos poderiam se amar?